Misses Portugal
Por Alice Vieira
Às vezes dou comigo a pensar em coisas que, na minha cabeça se passaram, sei lá, para aí há meia dúzia de anos, no máximo, e depois, começo mesmo a fazer contas até que, como dizia a minha avó Gertrudes, “se acabam os números”.
Hoje seria impossível um concurso como o das “Misses Portugal”, com raparigas (virgens, claro) a desfilarem, em fato de banho, diante de uma data de pessoas que depois iam escolher a mais bem feita, a mais bonita — ou seja a exaltação da mulher-objecto.
Claro que não fomos nós a criar o Concurso das Misses. A França adiantou-se e, no fim do século 19, os jornais parisienses começaram a publicar fotos de rostos de mulher — que depois eram avaliados e a mais bonita recebia um prémio. Rostos, mais nada. Depois as marcas de roupa faziam desfilar as suas criações e esse foi o início do concurso.
Lembro-me muito bem desses concursos mas só me lembro mesmo a sério a partir do momento em que a Ana Maria Lucas venceu—e foi sempre muito conhecida por causa disso. Também me lembro de a Helena Isabel, ainda muito miúda, ter concorrido e ter ficado
no quarto ou quinto lugar. Mas recordo-me , não por isso mas porque, numa entrevista que deu nessa altura, quando lhe perguntaram — sabe-se lá porquê — quantos habitantes tinha Lisboa, ela muito irritada responde” sei lá, para aí uns cem”
Desde o princípio dos concursos que quem tomou as rédeas e mandou naquilo tudo foi Vera Lagoa. Depois de a candidata desfilar, era-lhe perguntado o que desejava ela para o futuro—e todas respondiam “a paz no mundo”, resposta que ficou famosa.
Depois o concurso foi-se esboroando, começou a ter outros nomes — Grand Portugal e coisas assim — e acabou por ir à vida.
Começámos a ter muitas outras coisas bem mais importantes em que pensar.
Alice Vieira
Atualmente colabora com a revista “Audácia”, e com o “Jornal de Mafra”.
Publica também poesia e é considerada uma das mais importantes escritoras portuguesas de literatura infanto-juvenil.
Pode ler (aqui) as restantes crónicas de Alice Vieira